Não sou uma garota das ciências, mas sempre procuro uma explicação para tudo de diferente que acontece comigo (ou ao meu redor). Com certeza é o instinto da jovem detetive que eu já quis ser quando criança. E como até hoje nunca recebi a visita de seres sobrenaturais e o Chico Xavier nunca psicografou um livro para mim, quase nada costuma escapar das minhas explicações. Quase nada.
Uma vez, durante meu intercâmbio, eu estava na casa dos meus velhinhos americanos em McCormick mexendo em um baú de cobertores. Enquanto tirava os cobertores encontrei, entre dois edredons, um papel dobrado. Para a minha surpresa, quando eu abri estava escrita à caneta laranja (com GLITTER) a letra de FEIRA MODERNA (Lô Borges).
Tua cor é o que eles olham, velha chaga
Teu sorriso é o que eles temem, medo, medo
Feira moderna, o convite sensual
Oh! telefonista, a palavra já morreu
Meu coração é novo
Meu coração é novo
E eu nem li o jornal
Nessa caverna, o convite é sempre igual
Oh! telefonista, se a distância já morreu
Independência ou morte
Descansa em berço forte
A paz na Terra amém
Quer dizer, WHAT THE FUCKING FUCK, certo? Imediatamente fui perguntar para Barbara e Marv do que se tratava, se eles conheciam mais algum brasileiro, se sabiam da existência desse bilhete. E (claro, senão não estaria aqui contando essa história) todas as respostas foram negativas. Eles não sabiam do que se tratava. Eles NUNCA conheceram nenhum outro brasileiro além de mim. Eles não sabiam nem ao menos que no Brasil nós falavamos português.
Naquela época eu passei umas boas noites acordada pensando nisso. As primeiras foram tentando chegar a uma conclusão. As outras foram tentando entender porque isso aconteceu comigo. E o porquê de ser ESSA MÚSICA, ESSA LETRA que li e reli mil vezes procurando uma pista. E que talvez ela poderia ter caído das minhas coisas, ou eu poderia ter escrito enquanto estava dormindo (mesmo não conhecendo a música e não tendo nenhuma caneta laranja de glitter).
Até hoje, nada. Não captei nenhum sinal terreno, extra-terreno, extra-corpóreo, extraordinário ou de fogo. Não entendi. O que mais me irrita é me lembrar disso esporadicamente e me dar conta de que eu tenho um pequeno mistério mal resolvido em minhas mãos.
Pensando bem, era um baú de edredons. E eu nunca cheguei a checar se algum brasileiro trabalhava na lavanderia. Bingo, cherloque.
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Criativa, como sempre! ;*
ResponderExcluireu quero mesmo é saber o significado da musica
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Excluir“Tua cor é o que eles olham,/ velha chaga
ExcluirTeu sorriso é o que eles temem,/ medo, medo
Feira moderna, o convite sensual / Oh! telefonista, a palavra já morreu
Meu coração é novo / Meu coração é novo/ E eu nem li o jornal
Nessa caverna, o convite é sempre igual /
Oh! Telefonista, se a distância já morreu
Independência ou morte / Descansa em berço forte/
A paz na terra amém”
Esta música, que foi defendida pelo conjunto Som Imaginário no FIC em 1970 e gravada em seu primeiro LP (depois gravada por Beto Guedes no LP Amor de índio, em 1978) capta bem a associação entre os modernos meios de comunicação e o misto de espanto e sedução que atingem o homem moderno. A morte da “distância” e da “palavra” está associada a um meio que parece não dar conta de comunicar a novidade - o jornal. Anuncia-se uma nova fase em que o “agora” torna-se o tempo por excelência do mundo do capital, mas também, o que é muito interessante, o tempo por excelência da transformação. Porém, uma sutileza que chama bastante atenção é que esta urgência de “novidade” (muito bem simbolizada na figura da telefonista) vem entremeada por referências ao passado e a textos tradicionais, como o Hino Nacional, o Pai Nosso e o mito da caverna. Se a “feira” é “moderna” e o “convite” é “sensual”, este também é “sempre igual”, o que significa que o mercado pode ser percebido como algo que integra um conjunto de sistemas normativos que em algum momento da história estiveram restringindo a ação humana. Esta tensão entre a urgência do novo, própria do capitalismo, e a idéia de que o novo é uma reedição diferente da ancestral luta pela liberdade humana transparece em todo arranjo na versão do Som Imaginário, um desobediente rock selvagem com órgão elétrico e vocal gritado de Zé Rodrix.
Este comentário foi removido pelo autor.
ExcluirMT bom Gostei.
ExcluirSimone Soares, fantástica!
ExcluirÉ muita maconha...
ResponderExcluirA explicação me parece manifestação de maconha não fumada, mas, produzida endogenamente...
ResponderExcluirEu gosto dessa música! Pra mim ela fala da sociedade moderna mesmo. Começa falando que o racismo (tua cor é o que eles olham) e a inveja (teu sorriso é o que eles temem) é o que impera. O modernismo tem um chamado sensual, mas matou a palavra e a distância. Ele remete à figura da telefonista pra expressar isso. Ele fala do mesmismo "o meu coração é novo e eu nem li o jornal', ou seja, as notícias nada acrescentam ou podemos interpretar que apesar desse sensual modernismo, que de modernismo nada tem (lembra q ele começa a música falando que a sociedade é a mesma: racista e sem amor, invejosa) ele nada acrescenta. Ele consegue ter um coração novo (idéias) sem precisar do que a sociedade mostra como novo (notícias, acontecimentos, etc.). A caverna (da sociedade que se chama moderna, evoluída) é exatamente isso: uma caverna com um convite igual às gerações anteriores da sociedade. Daí o grito de "independência ou morte!" Ou vc se liberta desse falso modernismo, pois ele não torna as pessoas nem os relacionamentos melhores (lembra que a distância e a palavra já morreu?) ou permanece "descansando nesse berço forte" e viva em paz. Percebo nesse final um certo sarcasmo, já que ele fala o tempo todo contra esse "berço forte".
ResponderExcluirPutz... Que foda! É exatamente isso. É tão bom quando alguém verbaliza e compartilha nosso "achismo"!
Excluirhttps://hojeamanhaontem.com/2017/06/26/analise-feira-moderna-beto-guedes/
ResponderExcluirPrimeiro vamos nos localizar no tempo. A letra foi escrita no final dos anos 60. A ideia que os jovens tinham é que o capitalismo era uma coisa ruim e que se baseava em
ResponderExcluirExploração da mão-de-obra. Com base nesse cenário, vamos lá:
Tua cor é o que eles olham, (o que importa para a burguesia é te ver trabalhando.
Velha chaga ( a exploração é o mal do mundo)
Teu sorriso é o que eles temem, medo, medo ( a abertura da tua mente é o que eles tem medo, pois podem deixar de ganhar te explorando)
Feira moderna, o convite sensual (a ideia de te fazer entender tudo isso parece estranha)
Oh! telefonista, a palavra já morreu (não há contra argumentos para isso)
Meu coração é novo ( Eu tenho muita disposição para enfrentar isso)
Meu coração é novo
E eu nem li o jornal ( e eu nem vou me influenciar pelas coisas que querem que a gente pense)
Nessa caverna, o convite é sempre igual (na situação de conformismo que você está, não vai fazer você melhorar de vida )
Oh! telefonista, se a distância já morreu (Não há mais tempo para pensar. Mude de ideia)
Independência ou morte ( livre-se dessas amarras ou morra com elas)
Descansa em berço forte (se acha que está certo, continue pensando que assim você vai ficar bem )
A paz na Terra amém ( e que isso é o melhor para Você é todo mundo e ponto final)
A figura da telefonista representa o trabalho mecânico e repetitivo que não desenvolve a mente do ser humano.
Por Hélio Ribeiro
O mundo dos blogues é muito bom. Esse texto foi postado em 2010 e até hoje tem gente lendo e comentando. Se fosse no facebook ou qualquer outra rede social, já estaria totalmente esquecido nos porões da internet. Nada como descobrir um caso misterioso por acaso enquanto procura o significado de uma letra também misteriosa.
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ExcluirExatamente, Lucas! Eu fico encantado com isso também. E pensar que cheguei aqui justamente porque procurava o significado por trás da letra. Li uma história legal da autora e diversos pontos de vista sobre o significado nos comentários.
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